julho 09, 2010

Visita de mortiça



Quantas vezes não houve a tentação de cortar os pulsos e acabar com tudo. Imaginava-se deitado em seu próprio sangue, um tapete com seu corpo em relevo branco, gélido no meio da sala. Dois dias depois do fato, na quinta, provavelmente a diarista iria encontrá-lo. Mas a tentação não é a ação definitiva, quem muito ameaça quase nunca faz!
Planejara esta cena várias vezes. Sentia que a morte o rondava, mas não sabia ao certo como executar sua passagem para o além: Doses de medicação, mais tequila, afogamento nos penhascos de Torres, asfixia com saco plástico durante a ceia de natal, haraquiri em plena academia de ginástica, secador de cabelo na banheira com pétalas de rosas antes do almoço de domingo e mais uma infinidade de possibilidades.
Andava tão cheio da vida quem nem mais este prazer noturno lhe fazia vibrar. Sentia seu sangue lento nas veias, um torpor, uma vontade de ficar só na horizontal para sempre. Sonhava por vezes, com um ser andrógino, mortiça, espectro obscuro, aroma adocicado que o fazia acordar excitado. Não via a hora de novamente deitar para o encontro. Ficava nu sobre os lençóis esperando pelas lambidas das vestes sedutoras que percorriam o seu corpo, nas tardes e nas longas madrugadas.
Ao acordar novas estratégias suicidas, pois já não queria este plano das carnes e vísceras e sim vagar brumoso, sem dores, pelo espaço sideral. Esperava agora sem presa a arquitetura de um derradeiro acontecimento. Dava gargalhadas sinistras, enquanto brincava de morrer, agora se sentia acompanhado.

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