setembro 21, 2009

Amizade-amor-prazer


Terão que inventar de A a Z uma relação ainda sem forma que é a amizade: isto é, a soma de todas as coisas por meio das quais um e outro podem se dar prazer.
É uma das concessões que se fazem aos outros de apenas apresentar a homossexualidade sob a forma de um prazer imediato, de dois jovens que se encontram na rua, se seduzam por um olhar, que põem a mão na bunda um do outro e fiquem devaneando por um quarto de hora. Esta é uma imagem comum da homossexualidade que perde toda a sua virtualidade inquietante por duas razões: ela responde a um cânone tranqüilizador da beleza e anula o que pode nesse encontro vir a inquietar no afeto, carinho, amizade, fidelidade, coleguismo, companheirismo, aos quais uma sociedade um pouco destrutiva não pode ceder espaço sem temer que se formem alianças, que se tracem linhas de força imprevistas. Penso que é isto o que torna "perturbadora" a homossexualidade: o modo de vida homossexual muito mais que o ato sexual mesmo. Imaginar um ato sexual que não seja conforme a lei ou a natureza, não é isso que inquieta as pessoas. Mas que indivíduos comecem a se amar: ai está o problema. A instituição é sacudida, intensidades afetivas a atravessam; ao mesmo tempo, a dominam e perturbam. Olhe o exército: ali o amor entre homens é, incessantemente, convocado e honrado. Os códigos institucionais não podem validar estas relações das intensidades múltiplas, das cores variáveis, dos movimentos imperceptíveis, das formas que se modificam. Estas relações instauram um curto-circuito e introduzem o amor onde deveria haver a lei, a regra ou o hábito.
(Michel Foucault - Da amizade como modo de vida)

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